C.S.I. da vida real​

A história da Genética Forense: de C.S.I. à vida real

Por Bianca Leal

 

Quando falamos de investigação policial é quase impossível não nos lembrarmos de casos famosos e séries de TV. O que muitas vezes deixamos passar é a importância da ciência na resolução desses crimes. 

As Ciências Forenses compreendem em um conjunto multidisciplinar de atividades e práticas que compartilham um objetivo comum: ajudar a resolver disputas legais e criminais. Entre estas ciências está a Genética Forense, que utiliza o DNA na resolução dos crimes.

 

Senta que lá vem história

A história da Genética Forense é relativamente recente. Em 1984 Alec Jeffreys desenvolveu o primeiro teste de perfil genético baseado em Polimorfismo no Comprimento de Fragmentos de Restrição (RFLP, restriction fragment length polymorphism), e publicou seus resultados na Nature em 1985. Este foi o primeiro registro do que ficaria conhecido como DNA fingerprinting. No ano seguinte, a técnica foi utilizada pela primeira vez na solução de um crime, permitindo a identificação de Colin Pitchfork como o assassino de duas garotas inglesas e inocentando um suspeito.

Novos casos policiais, então, passaram a fazer uso da análise de perfil genético para identificar seus responsáveis: em 1987 Tommy Lee Andrews foi condenado por estupro após match entre seu material genético e o coletado da vítima; em 1992 Glen Dale Woodal foi inocentado após comparação de seu material com o da cena do crime; em 1994 Timothy Wilson foi julgado e condenado por múltiplos assassinatos após evidências baseadas em DNA.

No Brasil, a história da Genética Forense se inicia na década de 90, junto ao surgimento dos primeiros laboratórios de genética forense. O primeiro caso criminal a ser resolvido a partir de DNA fingerprinting no país ocorreu em 1994 na Divisão de Pesquisa de DNA Forense da Polícia Civil do Distrito Federal. Entretanto, já em 1992, a técnica havia sido empregada no caso Evandro – um desaparecimento seguido por constatação de homicídio de um menino de 6 anos em Guaratuba, Paraná. As evidências encontradas, porém, foram desconsideradas no julgamento até 2003.

Por ainda ser uma técnica nova e em estabelecimento, a falta de rigor metodológico e controle de qualidade muitas vezes colocaram em risco o julgamento de suspeitos. Um exemplo disso foi o caso da Suprema Corte de Minnesota, Estados Unidos, que em 1989 recusou as evidências oferecidas por um laboratório forense. Isso porque o estabelecimento não cumpria com os controles e padrões adequados, além de não compartilharem os métodos e cálculos aplicados para oferecerem o resultado.

Estes casos de desconfiança nos resultados estimularam o estabelecimento de cadeias de custódia bem descritas dos materiais coletados, o controle de qualidade da coleta e do processamento das amostras e a transparência dos métodos e cálculos empregados.

 

Caminhando para o futuro

Mesmo com rigor metodológico, a técnica de Jeffreys ainda apresentava limitações. Embora os resultados obtidos tivessem um alto poder de discriminação, a técnica demandava muito tempo e uma quantidade grande de DNA nas amostras (10-25 nanogramas = 0,000000010 – 0,000000025 gramas), o que nem sempre é viável para amostras de cena de crime que ficam expostas a diversos fatores degradantes para o DNA.

Com o desenvolvimento da PCR (polymerase chain reaction, reação em cadeia da polimerase) em 1985, novas possibilidades surgiram para o DNA fingerprinting; entre elas a amplificação de STRs* (short tandem repeats, repetições curtas em tandem). Desta forma, com apenas 1 ng de DNA (ou menos) foi possível obter perfis genéticos de suspeitos, vítimas e desaparecidos em menos tempo! 

Este método se tornou o padrão na identificação humana para fins forenses, tendo os loci amplificados padronizados para todos os laboratórios forenses e os perfis genéticos obtidos inseridos em grandes bancos de dados.

Atualmente os kits para análise forense são comercializados por grandes empresas, permitindo a obtenção dos mesmos resultados independente dos instrumentos utilizados ou dos laboratórios realizando as análises.

 

Mas e os bancos de dados?

Após a obtenção dos perfis genéticos pela polícia forense, eles são inseridos no CODIS (Combined DNA Index System), um banco de dados criado pelo FBI e utilizado no Brasil desde 2009 a partir de um acordo bilateral entre as partes. Este banco de perfis genéticos é utilizado na realização de comparações e pareamento entre amostras, permitindo a identificação da origem do material biológico em cenas de crimes ainda sem suspeitos e de desaparecimento, por exemplo. No Brasil este banco de dados é administrado pela Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), sob legislação vigente.

 

Porém, para que um perfil seja inserido no CODIS é necessária a amplificação de 13 loci polimórficos obrigatórios. Todos eles estão contidos nos kits de identificação padronizados para os laboratórios forenses.

 

Loci CODIS (Fonte: National Institute of Standards and Technology)

*Para saber mais sobre polimorfismos, clique aqui.

REFERÊNCIAS

JORDAN, D.; MILLS, D. Past, Present, and Future of DNA Typing for Analyzing Human and Non-Human Forensic Samples. Front. Ecol. Evol., v.9, p. 646130, 2021.

 

PANNEERCHELVAM, S.; NORAZMI, M.N. Forensic DNA profiling and database. The Malaysian journal of medical sciences, v.10, n.2, p. 20–26, 2003.

 

PROJETO HUMANOS. Disponível em: https://www.projetohumanos.com.br/wiki/caso-evandro/?s=caso&post_type=encyclopedia&submit=Go. Acesso em 06 mai. 2024.

 

REDE INTEGRADA DE BANCOS DE PERFIS GENÉTICOS. Manual de Procedimentos Operacionais. Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/manual_procedimentos_ribpg_2013.pdf. Acesso em 04 mai. 2024.

SILVA JUNIOR, R. C. R.C. Panorama atualda Genética Forense no Brasil:aspectos tecnológicos, legais e estratégicos. Rev. Bras. Crimin., v.12, n.2, p.99-106, 2023.

Bianca Leal
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