Autor(a): Bianca Leal
Anticorpos são proteínas sintetizadas por células específicas do sistema imune em resposta a antígenos que entram em sistemas biológicos. Nos organismos sua função primordial é proteger contra substâncias ou organismos nocivos – e é isso que chamamos de antígenos -, seja neutralizando o problema, marcando para eliminação celular ou possibilitando uma resposta celular.
Hoje classificamos essas proteínas em diferentes classes ou isotipos (e você certamente já ouviu falar delas): IgA, IgD, IgE, IgM e IgG. Cada um está associado a uma ou mais funções, como a imunidade de mucosa pelo IgA, as respostas de hipersensibilidade – muitas vezes chamadas de alergia – deflagradas a partir de IgE e a imunidade perene estabelecida pelos níveis de IgG.
Contudo, os anticorpos só servem para nos proteger?
ANTICORPOS DO MUNDO INVERTIDO
Conhecemos muitas doenças autoimunes: diabetes mellitus tipo 1, artrite reumatoide, lupus eritematoso sistêmico e esclerose múltipla são apenas alguns exemplos. Embora tenham manifestações clínicas bastante diferentes entre si, elas compartilham uma característica em comum: todas são marcadas pela produção de autoanticorpos!
A autoimunidade é marcada pela produção de anticorpos contra antígenos do próprio organismo graças à perda da tolerância ao próprio. Seu estabelecimento é multifatorial, ou seja, inclui tanto fatores genéticos quanto ambientais. Estes anticorpos anti-próprio, autoimunes, agem estabelecendo um estado pró-inflamatório sistêmico ou órgão-específico, resultando em variadas apresentações clínicas.
Neste caso, os anticorpos ao invés de promoverem a imunidade humoral, eles agem mediando a lesão tecidual e os danos à saúde do paciente.
DA DOENÇA AO DIAGNÓSTICO
Fica claro que a presença de anticorpos – em resposta aos antígenos estranhos ou próprios – é parte integrante do processo saúde-doença. Sua progressiva especificidade garante o sucesso de suas tarefas no sistema biológico. E se utilizássemos os anticorpos no diagnóstico?
Para além da detecção dos próprios anticorpos em testes, como os cassetes imunocromatográficos para detecção de IgM e IgG contra o vírus da COVID-19, os anticorpos podem ser parte integrante de plataformas diagnósticas.
O melhor e mais difundido exemplo disso é o ELISA (Ensaio Imunoabsorvente Ligado à Enzima, em inglês). Trata-se de um imunoensaio que utiliza a especificidade da ligação antígeno-anticorpo para detectar a presença ou a quantidade de um dos dois na amostra.
Uma outra abordagem seria a técnica de imunofluorescência. Neste caso, anticorpos específicos para os alvos de interesse são marcados com fluoróforos. Se a ligação antígeno-anticorpo ocorre após as etapas de processamento, é possível identificar ao microscópio de fluorescência os antígenos marcados, uma vez que ele irá “brilhar”.
Imunofluorescência para a proteína CREB3L2 em células humanas (Human Protein Atlas)
BIOTECNOLOGIA EM AÇÃO
Por fim, se os anticorpos desempenham funções tão importantes, por que não administrá-los como tratamentos para condições patológicas?
O primeiro Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina, em 1901, já abordava essa ideia. O trabalho de Emil Adolf von Behring visava a aplicação de uma terapia com soro contra a difteria, com o objetivo de neutralizar a toxina produzida pela bactéria Corynebacterium diphtheriae.
A aplicação da biotecnologia na produção de imunobiológicos tem grande espaço no mercado e movimenta grandes institutos de pesquisa, como o Instituto Butantan e a Fundação Ezequiel Dias (FUNED). Os principais imunobiológicos que fazemos uso são os soros e anticorpos monoclonais.
Os soros são preparados a partir de amostras purificadas contendo anticorpos, utilizados para combater toxinas de animais peçonhentos e microrganismos após a exposição. A produção envolve a imunização de cavalos com os antígenos alvo, obtenção do soro contendo os anticorpos, purificação e formulação do imunobiológico.
Já os anticorpos monoclonais são pools de anticorpos específicos que podem ser utilizados no tratamento de condições clínicas como artrite reumatoide, psoríase, doença de Crohn e câncer. Sua produção inclui a formação de hibridomas de células cancerígenas produtoras de anticorpos e células imunizadas produtoras de anticorpos. Assim são obtidos os anticorpos específicos com função terapêutica.
Desta forma, é possível notar a versatilidade dos anticorpos. De promoção a agravo da saúde, essas proteínas são importantes componentes a serem estudados, produzidos e aplicados na pesquisa e na clínica!
Então, de agora em diante, fique atento: os anticorpos não só servem para nos proteger!
REFERÊNCIAS
ABBAS, A.K.; LICHTMAN, A.H.; PILLAI, S. Imunologia Celular e Molecular. 8a edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Difteria. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/difteria. Acesso em: 22/04/2023.
INSTITUTO BUTANTAN. Anticorpos monoclonais. Disponível em: https://butantan.gov.br/anticorpos-monoclonais. Acesso em 09/04/2023.
INSTITUTO BUTANTAN. Soros. Disponível em: https://butantan.gov.br/soros-e-vacinas/soros. Acesso em 09/04/2023.
NOBEL PRIZE. The Nobel Prize in Physiology or Medicine 1901. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/1901/summary/. Acesso em: 22/04/2023.