HISTÓRIA DA BIOLOGIA SINTÉTICA – O INÍCIO

Você provavelmente deve ter se perguntado, em algum momento, de onde surgiu a biologia sintética como a conhecemos hoje. Vamos pelo começo:O que significa o termo “Biologia Sintética”?

Em 1910, o químico e biólogo francês Stéphane Leduc, professor na faculdade de medicina de Nantes, publicou um livro intitulado “Teoria físico-química da vida e gerações espontâneas”, tendo como nome de um dos seus capítulos “A Biologia Sintética”. Dois anos mais tarde, em 1912, a ideia deste capítulo cresceu e se tornou um livro:  “A biologia sintética – estudo da biofísica” (nome original: “La biologie synthétique, étude de biophysique“). Neste livro, Stéphane detalha o conceito a partir do ponto de vista de que o campo da biologia passava por um momento mais “analítico”, e que muito em breve ela alcançaria o campo da síntese, assim como foi com a química. Os químicos já haviam passado realizado análises e, posteriormente, passaram a atuar em uma área de criação, onde os cientistas podiam criar diversas moléculas a partir de átomos. Certamente, naquele momento da história, não se dispunha do conhecimento de hoje sobre material genético nem tampouco das técnicas de análise e manipulação desse material. Por conta disso, o termo não ficou muito popular, e só foi retomado de fato anos mais tarde, em 1974, por Waclaw Szybalski, médico e professor polonês residente nos Estados Unidos . Szybalski cunhou o termo para designar o uso da tecnologia do DNA recombinante no rearranjo de materiais genéticos de modo a criar novas células com novas capacidades.

Hoje, conhecemos a biologia sintética como ramo que utiliza da biologia molecular e suas ferramentas e técnicas para engenheirar células, sendo usada tanto para estudar mecanismos celulares quanto para manipulá-los com fins específicos. Assim, podemos observar que, ao longo da história, o desenvolvimento da biologia molecular caminha lado a lado com o da engenharia genética e a biologia sintética.

É muito interessante analisar como todo esse aprimoramento se deu ao longo dos anos.

O primeiro marco na história da biologia sintética foi em 1961, com a descoberta dos pesquisadores François Jacob e Jacques Monod. Eles descobriram o operon Lac em Escherichia coli. Esse operon indica a existência de mecanismos celulares responsivos a estímulos ambientais. Após essa descoberta, com diversas investigações sobre regulação transcricional, foi possível obter um cenário cada vez mais próximo da expressão genética engenheirada. Em meados dos anos 1970 e 1980, tecnologias como a da Reação da Polimerase em Cadeia (PCR) revolucionaram o desenvolvimento dessa área, contudo os estudos eram principalmente focados em clonagem e DNA recombinante, pois ainda existiam lacunas no conhecimento sobre regulação de expressão gênica.

No início dos anos 1990, a ciência já se encontrava cada vez mais imersa no mundo das “ômicas”: genômica, transcriptômica, proteômica… De fato, a ciência de base evoluiu cada vez mais, e a existência de novas tecnologias como sequenciamento de DNA automatizado e novas técnicas de análise de RNA foram cruciais nesse processo. Nesse momento, surgiu a biologia de sistemas, uma área interseccional entre a biologia e a ciência da computação que unia experimentação e técnicas computacionais para traçar cada vez mais informações sobre os mecanismos celulares. A partir de então, foi possível visualizar que esses mecanismos, apesar de muito complexos, funcionavam praticamente em módulos, algo bem comum do ponto de vista da engenharia de sistemas.

Em meados dos anos 2000, já tínhamos mais conhecimento sobre nossas “pecinhas”, agora era hora de começar a montar os primeiros circuitos! Collins e colegas montaram o primeiro “interruptor” (toggle switch), capaz de “ligar” ou “desligar” a expressão genética; Elowitz e Leibler montaram “repressilador”, capaz de criar uma oscilação natural da expressão de um determinado gene. Assim, não parou mais o desenvolvimento de novos circuitos, assim como sua constante investigação e seu aprimoramento. No caminhar dessa história, em 2004 ocorreu a primeira conferência internacional de biologia sintética (SB1.0) no Massachussets Institute of Technology (MIT) e nesse mesmo ano surge o nosso ilustríssimo iGEM, sediado também pelo MIT. 

De lá pra cá, o aprimoramento nos designs dos circuitos juntamente com o avanço biotecnológico só aumentou. Podemos destacar, por exemplo, o uso da biologia sintética para produção de artemisinina, um composto antimalárico até então extraído de fontes vegetais, cuja obtenção era cara e ambientalmente prejudicial. O campo da biologia sintética começou a tomar forma e ganhar a força, e com isso houve a necessidade de se criar repositórios, como o Registry of Standard Biological Parts (RSBP), onde é possível depositar diversas “pecinhas”, ou simplesmente BioBricks, tão importantes para a construção e design dos mais diversos circuitos genéticos. Uma nova linguagem, a SBOL (Synthetic Biology Open Language), também permitiu padronizar e facilitar o design de circuitos e construção de partes biológicas por softwares. Uma wiki desenvolvida pelo MIT, a OpenWetWare, também como um ambiente onde os pesquisadores e amantes da biologia sintética possam encontrar informações valiosas, protocolos e discussões sobre os mais diversos assuntos da área. 

Assim, a biologia sintética tem percorrido um caminho longo e promissor, ainda com muitos desafios e conquistas pela frente. A tendência é que essa comunidade se torne cada vez mais desenvolvida e integrada, contando com cientistas das mais diversas áreas do conhecimento. Seu uso para fins criativos e produtivos tem aumentado dia após dia, além de ser fundamental para o avanço da biologia e suas descobertas. Novidades surgem a todo momento, e hoje a biologia sintética está ainda mais moderna, mas isso é assunto para um próximo post…

Referências

[1] CAMERON, D. E. BASHOR, C. J., COLLINS, J. J. A brief history of synthetic biology. Nature Reviews Microbiology, 2014. doi:10.1038/nrmicro3239.

[2] PASCAL, N. De la biologie synthétique à l’homme synthétique. Comptes Rendus Biologies, vol. 338, Aug. 2015, pp.

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